As tradições da Antiga Roma em relação ao culto doméstico e ao culto dos mortos eram uma afirmação da idolatria presente no espaço familiar e a concepção de que as almas dos defuntos se tornassem divindades após se desprender dos corpos humanos.
Do culto doméstico, daquelas principais formas religiosas nas humildes casas das cidades latinas e nas cabanas dos pastores, destacou-se e desenvolveu-se o culto público, isto é, o culto conferido aos deuses protetores do Estado, sob a cura dos sacerdotes designados para tal escopo.
🕯️ Culto doméstico dos antigos romanos
O culto doméstico provavelmente tem suas origens no caráter sagrado atribuído a certos objetos e a certos atos mais estreitamente ligados à vida em família.
A chama era o centro da casa e da vida familiar, em torno da qual se empenhavam as mulheres.
Vesta
Vesta, a deusa do fogo flamejante, era ali honrada com ofertas sacrificais e, enquanto desta deusa não se pode haver outra imagem, se não aquela viva, do fogo, havia então as estatuetas dos Penates, dos Lares (Lares) e do Gênio (Genius).
Lares
Provavelmente, os Lares foram, em origem, Gênios protetores locais, os espíritos bons que defendiam os campos circunstantes à casa onde morava a família do cultivador.
A festa anual deles (Compitalia) era celebrada nos compiuta, isto é, nas encruzilhadas onde se encontravam duas ou mais propriedades.
No decorrer do tempo, se diferenciaram dos Lares compitali os Lares domésticos que, venerados dentro de casa, eram considerados os espíritos sobreviventes dos defuntos que, indo para debaixo da terra, não tinham abandonado completamente os lugares e as pessoas dentre os quais haviam vivido.
Nos autores antigos, encontramos menção até mesmo a um só Lar familiaris, que será provavelmente entendido como o espírito que personificava coletivamente, em certo modo, todos aqueles que, tendo um tempo pertencido à família, já vagavam nas misteriosas regiões além-túmulo.
Momentos de veneração dos Lares
Porque a proteção dos Lares estendia-se a toda a família, incluindo os escravos, seu culto era entregue, nas grandes propriedades, à mulher do caseiro (vilica), que os venerava três vezes por mês: durante as Calendas, as Nonas, os Idos e, depois, em ocasião de outras festas particulares da família do patrão: nascimentos, casamentos, partidas, retornos, mortos e também quando uma pequena criança pronunciava a primeira palavra.
Gênio
E quem é Gênio, o outro membro do panteão doméstico?
É difícil definir o conceito do “gênio”: como é retirada da mesma radical da palavra (gen), no Gênio via-se o princípio vital e generativo que pré-existe ao nascimento e subsiste depois da morte de cada um, que se transmite de uma pessoa a outra, essência divina que se passa constante e imutável com o mudar das formas, espírito divino convivente e protetor ao mesmo tempo, ao qual se presta culto e pelo qual se jura.
E o Gênio do pater familias para a comunidade doméstica será, em seguida, o Gênio do imperador para o Estado e para os súditos.
Um afresco conservado no MANN representa o pater familias que, com a cabeça coberta (capite velato, segundo o costume romano) e segurando na mão a cornucópia do Gênio, faz a oferenda sacrifical no altar, junto à chama doméstica: em frente ao altar, está um flautista (tibicen) e, nos lados, duas crianças, provavelmente os seus filhos, com a função de assistentes ao ritual (camilli) que, com as túnicas sucintas, coadjuvam o pai no sacrifício.

Um tem na mão esquerda o disco sagrado (patera), e, na mão direita, largas fitas floreadas para adornar a vítima.
A vítima é um porco que o outro rapaz empurra em direção ao altar, onde será sacrificado.
No pensamento dos antigos romanos, sempre houve lugar para o além-túmulo e para os seus problemas.
⚱️ O culto dos mortos na Antiga Roma
A religião romana não conheceu ritos e prédicas particulares que acompanhassem quem se dispusesse a deixar esta vida e o escoltassem na difícil e misteriosa passagem em direção ao além.
Não se pensava que pudessem existir, na vida ultraterrena, prêmios ou castigos referentes à vida terrena do defunto.
As almas dos defuntos
As almas dos mortos, pelo próprio caráter de alma, eram revistas como seres santos e puros (manes – bons) que com a sua presença santificavam o lugar onde o defunto foi sepultado.
Nenhum altar ou imagem de outra divindade surgia nas necrópoles, reconhecíveis somente das lápides que lembravam o defunto e que continham frequentemente invocações aos Manes e a outras divindades inferiores ou celestes.
Somente uma coisa era certa na consciência popular dos romanos mais antigos: que a alma liberada do corpo revestia uma natureza divina.
Dirá Cícero:
deum te igitur scito esse (portanto, saiba que és um deus, tradução livre).
O culto dos mortos
Entende-se, assim, como o culto dos mortos tivesse para os romanos muitos pontos em comum com o culto dos deuses.
Sagrado era o lugar do sepulcro e junto ao sepulcro – que tinha, às vezes, a forma de altar – faziam-se sacrifícios.
Achava-se que também a alma do defunto não pudesse encontrar descanso enquanto não fossem celebradas as exéquias e não fosse sepultado o cadáver.
Quem transcurava o dever de inumar o defunto marcava-se de uma grande culpa, que devia espiar com o sacrifício de uma porca imolada antes da colheita.
Ceia fúnebre
Na sepultura do morto, seguia-se a ceia fúnebre (silicernium), que consistia de alimentos especiais, prescritos para essa circunstância.
Oito dias depois se celebrava o sacrificium novendiale, com o qual – e com outra ceia junto ao sepulcro – havia término o luto pelo defunto.
Mais tarde, a comemoração dos mortos foi celebrada publicamente sob a cura do Estado e com a intervenção dos sacerdotes públicos: as festas, chamadas Parentalia (Parentália) e Feralia (Ferália), eram realizadas de 13 a 21 de fevereiro.
Nesses dias, os templos ficavam fechados, os magistrados não revestiam suas insígnias e apagavam-se as chamas e os altares.
Eram oficialmente dias de luto público e privado.
*Referência bibliográfica: Livro “Tutto su Roma Antica”. Texto de Giulio Gannelli. Ed. Bemporad Marzocco, Florença, 1963 (tradução livre minha para este post).