Com a difusão do ritual de inumação, no início do século II d.C., afirmou-se a produção em larga escala de sarcófagos marmóreos, já presentes na tradição funerária romana desde a época de Augusto, mas em um número limitado de exemplares.
Mesmo nas formas mais simples, o sarcófago em mármore constituía um objeto de luxo, caro e, certamente, reservado para poucos: sendo colocado dentro da cela funerária, não tinha visibilidade exterior e era, portanto, destinado somente para o defunto.
ÍNDICE
Contato de guia brasileira na Itália
Do mito ao milagre: os sarcófagos romanos entre o II e o IV século d.C.
Os manufatos eram realizados sob encomenda em ateliês especializados e eram concebidos para serem embutidos no muro e, por isso, eram decorados somente na parte exterior com relevos que ocupavam todo o campo figurado, enquanto o retro era deixado liso.
As faixas laterais eram, geralmente, esculpidas com baixos-relevos ou deixadas sem ornamentações. A tampa, raramente em forma de teto, era, em geral, constituída por um baixo elevado com um estreito campo figurado na frente, decorada na laterais com máscaras.
Entre os temas figurativos mais usados nos sarcófagos, temos os mitológicos que, se de um lado tinham um significado simbólico referido ao ritual, por outro podiam representar as diversas qualidades do defunto.
Os mitos como decoração dos sarcófagos pagãos
Os motivos marinhos, por exemplo, frequentíssimos no repertório funerário, aludiam à viagem pra ilha dos beatos, e as imagens, em geral, revocando um mundo sereno e feliz, desempenhavam uma função consolatória enquanto aludiam à felicidade além-túmulo.
No mesmo âmbito, podem ser inseridos os sarcófagos decorados com cortejos dionisíacos e imagens inspiradas na vida pastoral e à sua paz contemplativa, assim como as alegorias das estações.
Em outros casos, o defunto era assimilado com o herói mitológico: nas representações das fadigas de Hércules, por exemplo, o herói atingia uma “perfeição ideal”, a apoteose, por meio da superação de várias provas, muitas das quais comportavam um emprego de energia quase sobrenatural.
Nesse sentido, Hércules podia ser um exemplo pro defunto de como atingir a apoteose por meio de seus méritos pessoais.
Musas, cenas de caça, de batalhas, etc.
A autocelebração do defunto passava também por meio do chamado pro valor da cultura e da educação filosófica, sendo representado, por exemplo, na exposição das nove Musas ou através de uma cena de leitura com um poeta ou um filósofo, mas também por meio da presença de uma máscara teatral ou de um rotulus nas mãos do defunto.
Cenas de caça e de batalha exprimiam o conceito da virtude militar e heróica, e são bastante encontradas a partir do final do século II d.C.: tratava-se não tanto da reprodução de episódios ligados à vida do defunto, mas de cenas do repertório geralmente usadas nas representações de caráter oficial.
Cenas milagrosas após as perseguições cristãs
Depois das perseguições cristãs, a partir dos primeiros anos do século IV d.C., começaram a se difundir novas representações ricas de cenas milagrosas e de salvação.
As imagens cristãs, caracterizadas pelos frisos ricos de figuras relativas às cenas do Antigo e do Novo Testamento, marcaram uma mudança radical na relação com a morte: as alegorias míticas que tinham caracterizado por cerca de dois séculos o repertório figurativo dos sarcófagos, deixaram espaço a temáticas novas nas quais eram centrais as doutrinas predicadas por Cristo e os apóstolos.
Espaços e rituais funerários na Antiga Roma
A rigorosa proibição de enterrar os mortos dentro do espaço urbano fez com que em Roma, e em todo o mundo romano, pelo menos até a Alta Idade Média, os cemitérios fossem construídos fora do circuito murário e ao longo das estradas que saiam da cidade, onde as tumbas se alinhavam sem solução de continuidade.
A escolha do lugar da sepultura e a tipologia do sepulcro eram essencialmente determinadas pelas capacidades econômicas e a mensagem que o comitente queria comunicar a quem observasse o seu monumento funerário.
Decerto, a posição preeminente da tumba em relação à frente estradal era um dos elementos que garantia uma maior visibilidade, respondendo, assim, à exigência de autorrepresentação do defunto e do grupo familiar ao qual pertencia.
Cremação e inumação
Desde as fases mais antigas da cidade, praticavam-se seja o ritual da cremação, seja o da inumação.
Se a cremação prevaleceu entre o III-II século a.C. e o I século d.C., a partir da média idade imperial (II século d.C.) afirmou-se a inumação definitivamente.
A maior difusão da prática crematória, entre o final do século I a.C. e o I século d.C., determinou a difusão dos “columbários”: tumbas coletivas que acolhiam os membros da mesma família, incluindo os servos, libertos ou sócios de uma corporação.
Essas tumbas, chamadas columbários pela afinidade com os pombais, eram bem úteis para uma cidade densamente populada, já que graças à sua estrutura e à divisão interna podiam acolher um número elevado de sepulturas.
Estrutura das tumbas
Já no decorrer do século I d.C., tumbas em forma de celas, realizadas com tijolos e às vezes recintadas, acolhiam sepulturas de rituais mistos.
No interior, sobre as paredes, eram recavados nichos para os vasos funerários, enquanto na terra e nos arcossólios dava-se lugar às inumações em caixas de terracota ou de mármore.
Esse novo tipo de sepulcro, muito diferente das arquiteturas funerárias de tipo monumental, perdurará incontestado por todo o período imperial até a época antiga tardia, quando o nexo arquitetônico e espacial entre monumento funerário e áreas religiosas inaugurará uma nova relação entre lugar de culto e espaço cemiterial, próprio dos contextos cristãos.
O funeral e o culto dos defuntos no Império Romano
No mundo romano, um cuidado especial era dedicado ao funeral e ao culto dos mortos. Depois do falecimento, as mulheres da família participavam das lamentações, durante as quais o nome do defunto era repetido em voz alta e em intervalos até o momento do sepultamento.
A esse ritual, cujo escopo era comprovar a morte, além de externar a dor da perda, também faziam parte algumas estranhas pagas para esse fim (praeficae).
Antes do transporto pro funeral, o corpo do defunto era lavado e tratado com unguentos para retardar a decomposição e depois preparado para a exposição no leito fúnebre.
Nessa fase, era colocada na boca do cadáver uma moeda que serviria para pagar ao barqueiro, Caronte, a passagem para o além.
Políbio e Plínio, o Velho, atestam esse costume durante os funerais de personagens pertencentes a classes sociais elevadas, e de expor em público retratos dos antenados feitos com cera.
Rituais após o funeral
Depois do funeral, as imagens eram colocadas nos armários, no átrio da casa. A escolha da inumação ou cremação não influia nas fases do ritual.
No primeiro caso, o corpo era deposto diretamente no solo ou colocado na caixa de um sarcófago, que podia ser em mármore, pedra, terracota, madeira ou chumbo.
A cremação do cadáver era realizada ao lado do leito fúnebre, sobre o qual tinha sido transportado, e podia ser realizada no lugar do enterro ou em lugares predispostos para a realização dessa prática funerária, chamada ustrino.
Apagado o fogo, as cinzas eram recolhidas dentro das urnas cinerárias. Pra esse contentor, também havia uma variedade de materiais e formas, desde os simples contentores em terracota aos preciosos exemplares em mármore, decorados com relevos.
A fratura representada pela morte no interior de uma família devia ser sanada por meio de um ritual voltado a purificar os familiares do defunto da contaminação. No mesmo dia do funeral, era consumado o primeiro banquete fúnebre.
O luto durava nove dias e terminava com um segundo banquete, durante o qual era oferecida uma libação aos deuses Manes e deixadas ofertas alimentares.
Os primórdios do nosso Dia de Finados
O banquete tinha uma função central no ritual funerário: era realizado em espaço aberto com os convidados dispostos ao redor de um altar.
Em alguns casos, podia ser celebrado publicamente e oferecido por vontade testamentária do próprio defunto ou por iniciativa dos familiares em lugares públicos ao aberto, preferivelmente nos fóruns ou nos templos.
Cerimônias fúnebres com banquetes junto à tumba eram celebrados em ocasião do dia de nascimento do defunto e em outras datas, como os Parentalia, período de 13 a 21 de fevereiro destinado à comemoração dos mortos.
Banquete fúnebre
Alguns edifícios sepulcrais eram dotados de espaços dedicados à conclusão do ritual: fornos e poços, construídos juntos às tumbas, eram usados para montar os banquetes fúnebres.
Durante esse rituais, a comida era oferecida também aos defuntos por meio de um condutor que chegava até o interior da sepultura.
O conjunto de objetos pessoais colocados na tumba acompanhavam o defunto até o além ao oferecer-lhe o conforto de seus pertences de estimação durante a sua vida terrena.
As leis suntuárias limitaram a exibição do luxo nas tumbas, todavia, apesar das limitações, algumas sepulturas restituíram-nos grandes tesouros.
Contato de guia brasileira na Itália
*Fonte: Textos explicativos do Museu Central Montemartini (tradução livre minha para este post).