Dentre as várias surpresas que um turista descobre ao visitar o Vaticano é próprio um paradoxo: o fato de que o cristianismo tenha nascido durante o Império Romano.
O evangelista Lucas, introduzindo o texto do nascimento de Jesus, especifica fatos que
Naqueles dias César Augusto publicou um decreto ordenando o recenseamento de todo o império romano. Este foi o primeiro recenseamento feito quando Quirino era governador da Síria. E todos iam para a sua cidade natal, a fim de alistar-se. (Lucas, 2, 1).
E foi próprio obedecendo a este decreto que o carpinteiro judeu José, com a esposa grávida, Maria, foi até a sua cidade natal, Belém, onde o Menino Jesus nasceu.
O Cristianismo no Império Romano do século I
Com a morte de Augusto, no ano 14 d.C., subiu ao trono Tibério e, sob a sua autoridade, Jesus foi processado e condenado à crucificação.
Os seguidores de Jesus, com Pedro como porta-voz, começaram a anunciar publicamente a sua ressureição menos de dois meses após a morte (Atos, 2, 42).
Com o falecimento de Tibério, em 37, o trono passa a Gaio Calígula. No mesmo ano, forma-se uma comunidade de fiéis em Cristo, na cidade de Antioquia, a mais importante dentre as províncias orientais do império.
A igreja nasceu no Oriente
E foi em Antioquia que, pela primeira vez, os discípulos de Jesus foram chamados de “cristãos” (Atos, 11, 26).
A igreja, criada no Oriente, e a todos os efeitos ignorada pelos três primeiros imperadores, sofreu perseguição sob o quarto imperador, Cláudio, que subiu ao poder em 41.
Em 49, Cláudio expulsa de Roma “os judeus que se agitam por instigação de um certo Cristo”, como conta confusamente o historiador romano Suetônio: Judaeos impulsore aracol assidue tumultuantes Roma expulit (Vida de Cláudio, 25).
Um desses refugiados judeus tornou-se amigo de São Paulo, em Corinto: um certo Áquila, “que chegou da Itália há pouco tempo, com a mulher Priscila, por causa da ordem de Cláudio que afastava de Roma todos os judeus” (Atos, 18, 2).
O imperador Nero e a perseguição contra os cristãos
Em 54, o quinto imperador, Nero, sucedeu Cláudio, e intensifica-se a perseguição ao infligir punições cruéis contra os cristãos, considerados “uma seita que professava uma nova e subversiva fé religiosa”, como relata sempre Suetônio (Vida de Nero, 16).
Será Nero a condenar à morte São Paulo e São Pedro, por volta do ano 64: Paulo, na estrada que ligava Roma a Ostia, e Pedro, no circo construído por Calígula e ampliado pelo próprio Nero.
Não se sabe quando a nova crença chegou à capital, mas deve ter sido bem cedo, já que no ano 49 o número de fiéis era tal a chamar a atenção do imperador.
segundo alguns historiadores, o imperador nero não perseguiu os cristãos, como afirma o professor brent d. shaw neste artigo.
Paulo de Tarso
Da frase de Suetônio, supõe-se que os “tumultos” que preocupavam o imperador Cláudio eram internos na comunidade judaica, primeiro centro dos fiéis de Cristo, e faziam parte do triste processo de diferenciação entre os que aceitavam Jesus como “o Cristo”, o Messias, tão esperado pelos hebreus, e os que se recusavam a acreditar nele.
Dizer “comunidade judaica” não implica, todavia, um grupo fechado: Áquila era oriundo de Ponto, no Mar Negro (Atos, 18, 2), e São Paulo vinha de Tarso, na costa meridional da atual Turquia.
Isso faz pensar que, na mistura de etnias e raças que era Roma, a primitiva comunidade cristã devia aparecer quase como um microcosmo no império que a perseguia.
De qualquer modo, São Paulo era orgulhoso de ter nascido cidadão romano (Atos, 22, 27-29), e foi próprio o império, com a sua soberba rede viária e um eficiente sistema postal, que facilitou os contínuos movimentos e as epístolas de Paulo e de outros missionários da nova fé.
A chegada de São Pedro a Roma
Apesar da expulsão decretada por Cláudio, a comunidade cristã romana logo foi reconstituída, tanto é que quando Paulo escreve a sua carta, por volta de 57, ele pode cumprimentar vários amigos e conhecidos – e também Áquila e Priscila (Prisca), aparentemente de volta à pátria adotiva (cfr. Romanos, 16, 3).
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E quando, mais tarde, o apóstolo Paulo e dois companheiros chegam à Itália para irem a Roma,
Os irmãos dali tinham ouvido falar que estávamos chegando e vieram até a praça de Ápio e às Três Vendas para nos encontrar. Vendo-os, Paulo deu graças a Deus e sentiu-se encorajado. (Atos, 28, 15).
E Pedro? Um texto antigo cita a sua chegada à capital no ano 30, praticamente logo após Pentecostes, mas isso é improvável.
O historiador Eusébio, escrevendo no século IV, diz que ele chegou em 42.
Em tal caso, teria sido um dos “expulsos” sob o imperador Cláudio, em 49. Um outro escritor cristão do século IV, Lactâncio, esteja, talvez, mais próximo da verdade, ao afirmar que Pedro chegou a Roma somente sob o reinado de Nero e, portanto, a partir de 54.
Os monumentos de Roma antes do incêndio de 64 d.C.
De qualquer forma, é quase certo que Pedro, assim como Paulo, no momento de sua chegada à capital, tenha encontrado uma comunidade de fiéis já funcionante, talvez numerosa, com as características cosmopolitas acima mencionadas, mas também com uma sua identidade cultural específica, a qual podemos definir em termos de romanitas.
Roma, nesse período, era totalmente diferente do quanto teria se tornado após o incêndio de 64. A maior parte dos monumentos que hoje associamos à antiga capital não existiam ainda: o Coliseu, por exemplo, seria construído sob Vespasiano, no tardio século I, enquanto o Panteão (na forma atual), sob o imperador Adriano, no século II.
Mas havia outras estruturas, suficientemente magníficas, para maravilhar os visitantes provenientes dos grandes centros provinciais, como Antioquia: São Pedro, por exemplo, chegou a Roma daquela cidade, onde foi, por muitos anos, chefe da comunidade cristã.
Circus Maximus
Além dos inúmeros templos de culto, basílicas civis, pórticos e o antigo fórum com a aula do Senado, Roma, na metade do século I, abundava teatros e circos.
O gosto pelo espetáculo remontava à época de República, e o maior dos circos, denominado, por isso mesmo, circus maximus, já funcionava desde o século IV antes da era cristã.
Numerosas e novas estruturas de entretenimento público foram realizadas entre o fim da República e o reinado do primeiro imperador, Otaviano Augusto, na vasta planície ao norte da área urbana antiga: o assim chamado campus martius, ou “Campo de Marte”, que na época republicana serviu para as exercitações militares e de cavalaria.
Esses teatros, junto com outros novos monumentos no Campo de Marte – o Altar da Paz, o Relógio Solar e o Mausoléu de Augusto – constituíam praticamente um novo quarteirão monumental, brilhante de mármore e adornado com estátuas.
Os teatros romanos
Os teatros eram enormes. O mais antigo, o Teatro de Pompeu – perto do atual Campo dei Fiori – inaugurado em 55 a.C, tinha uma cávea de circa de 150 metros de diâmetro e uma cena de 90 m.
O Teatro de Balbo, inaugurado em 13 a.C., tinha um diâmetro de 90 m.
O Teatro de Marcelo, ao norte do Monte Capitolino, inaugurado em 13 ou em 11 a.C., era alto 33 metros, com um diâmetro da cávea de 130 metros e uma capacidade de quinze mil espectadores.
Maiores ainda eram as estruturas reservadas às corridas de cavalo e de bigas: o Circus Flaminius, demolido sob Augusto, media 400 m x 260 m, e o Circo Máximo alcançava o comprimento incrível de 600 m com uma largura de 200 m!
Fontes do século IV, falam de uma capacidade de 385.000 lugares no Circo Máximo, e mesmo se considerarmos exagerado esse valor, uma avaliação sóbria chega, de qualquer forma, a um quarto de milhão de pessoas.
Circo de Calígula e de Nero
Comparando com o Circo Máximo, o Circo de Calígula e Nero, do outro lado do rio Tibre, onde hoje surge a Praça e a Basílica de São Pedro, era pequeno: apenas 323 m por 74 m.
Essas estruturas colossais, que com autoridade insuperável anunciavam o poder do império e a sua capacidade de envolver multidões em direção a um determinado ponto, fazem parte da experiência da primitiva igreja de Roma.
Mesmo que os convertidos à nova religião não fossem assíduos frequentadores do teatro e do circo, não podiam certamente ignorar o fascínio que tais lugares exerciam em seus contemporâneos.
Isso significa que não somente a ideia de magníficos espaços de vida coletiva, e também de espetáculos, que celebravam a emoção compartilhada por milhares de pessoas, fazia parte da bagagem cultural e humana da igreja romana primitiva.
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Fonte: Tradução livre minha do texto em italiano do sacerdote e historiador da arte Timothy Verdon.