Os Alighieri, uma família florentina da pequena nobreza que se gabava de ter descendência romana, provinham de um ramo da potente estirpe dos Elisei: de uma certa Aldighiera, do Vale do Pó, que foi esposa de Cacciaguida, o qual participou da segunda cruzada e acabou morrendo.
O avô paterno de Dante, Bellincione, e o pai, Alighiero II, praticavam atividades relacionadas ao empréstimo de dinheiro e venda de imóveis.
E já que se sabe que Bellincione fez parte do Conselho da Comuna, os Alighieri não foram assim tão importantes entre os guelfos para serem exilados quando, após a Batalha de Montaperti, os gibelinos venceram.
Contato de guia brasileira na Itália
Vida e obras de Dante Alighieri, o sumo poeta
Apesar de terem sido numerosos os exilados florentinos da parte guelfa, entre 1260 e 1266, os pais de Dante permaneceram em Florença e ele pôde dizer que nasceu e foi criado sobre o belo rio Arno e a grande vila.
E io a loro: «I’ fui nato e cresciuto
sovra ’l bel fiume d’Arno a la gran villa,
e son col corpo ch’i’ ho sempre avuto.
(Inferno XXIII 93-94)
Escassíssimas são as referências de Dante às pessoas a ele mais próximas. Sabemos que foi batizado no lindo Batistério de São João, lugar mítico ao qual irá sempre o seu pensamento, um lugar poético identificado com a mesma Florença onde, um dia, ele esperava retornar para ser coroado poeta.
Non mi parean men ampi né maggiori
che que’ che son nel mio bel San Giovanni,
fatti per loco d’i battezzatori;
(Inferno XIX 17)
Ficou órfão de mãe ainda criança e transcorreu a infância em companhia de uma irmã mais velha
donna giovane gentil… la quale era meco di propinquissima sanguinitade congiunta
(Vita Nova XXIII)
Dante também teve um irmão, Francesco, e uma outra irmã, Tana (Gaetana), nascidos do segundo casamento do pai com Lapa di Chiarissimo Cialuffi.
Em 1285, Dante, com vinte anos, casou-se com Gemma Donati e eles tiveram quatro filhos: Giovanni, Iacopo, Pietro e Antonia.
Os estudos de Dante Alighieri
Desde muito jovem, Dante tinha interesse nos estudos de gramática e retórica e também conhecia os maiores autores latinos.
Que ele tenha tenha tido um mestre escolar é mais do que óbvio: sabemos, por meio da Nova Cronaca, de Giovanni Villani, o quanto fosse difundida, mesmo poucos anos após a morte do sumo poeta, a alfabetização e a sucessiva instrução comercial e intelectual entre os jovens florentinos.
Em 1277, um “romanus doctor puerorum”, da paróquia de San Martino al Vescovo, dava aulas nas casas dos Alighieri. Bastante relevante foi, certamente, o ensinamento retórico-literário e também político-civil recebido pelo grande Brunetto Latini, magistrado, embaixador e notário oficial da República Florentina em 1267, morto em 1294 e sepultado na Igreja de Santa Maria Maior.
Brunetto Latini, pertencente politicamente à parte guelfa e, como guelfo militante, após a derrota na Batalha de Montaperti foi condenado ao exílio. Procurou refúgio na França, onde viveu entre 1260 e 1266 e escreveu, em língua francesa, alguma das obras mais importantes daquela época.
Reitor, ao mesmo tempo filósofo e divulgador de um renovado enciclopedismo fundado em elementos culturais transalpinos, defensor enérgico de um humanismo todo “civil”, foi definido, justamente, por Giovanni Villani:
gran filosofo……sommo maestro di retorica…..cominciatore e maestro in digrossare i Fiorentini e fargli scorti in bel parlare, e in sapere guidare e reggere la nostra repubblica secondo la Politica.
Dante e a cultura francesa
Por meio dos ensinamentos do autor de Tesoretto, de Favolello e de li livres dou tresor, o jovem Alighieri iniciou-se na cultura francesa como provam o Detto d’Amore e, mais tarde, Fiore (refeito em 232 sonetos em Romance da Rosa), obras hoje atribuídas a Dante.
Enquanto isso, partindo da Escola Siciliana, crescia a poesia em vulgar. Assim, durante os anos juvenis de Alighieri, o panorama poético florentino é em completa expansão como demonstram o Código Vaticano 3793, do século XIII (um dos mais antigos ilustres cancioneiros), o Código Palatino 418 e o Código Laurenziano Rediano 9, da Biblioteca Nacional de Florença.
Se olharmos a composição dessa coleção de poetas do Duzentos, excluindo, obviamente, as rimas daqueles que serão chamados depois de stilnovisti, percebemos que sobre a quase totalidade dos componentes somente uma parte exígua não é toscana e nem florentina.
O maior número é representado por composições de autores florentinos ou, por exemplo, como de fra’ Guittone d’Arezzo, os quais viveram em contato direto com Florença.
A operosidade literária e artística desses poetas chegava ao próprio auge quando Dante abria a sua mente e alma à poesia: contudo, ele logo se afastou desses modelos e com a conquista do ”dolce stile“ e das rimas em louvor a Beatriz (depois comentadas na Vita Nova) ele se conscientizou em se separar da matriz dos rimadores em vulgar das gerações precedentes.
Vida política de Dante
Da luta entre guelfos e gibelinos até a condenação à morte
Na Alemanha, no início do século XI, vêm a contrapor-se duas famílias que terão, bem cedo, algumas convulsões políticas que serão determinantes para a história das cidades da península itálica, principalmente pra Florença: a Casa de Welf, de Baviera (de onde surgem os guelfos), e a Dinastia de Hohenstaufen, de onde surgem os gibelinos.
Os guelfos eram apoiadores da política papal e das comunas, o que, de qualquer forma, opunha-se à supremacia imperial.
Em 1215, Frederico II do Sacro Império Romano-Germânico submete-se à coroa real da Alemanha e, cinco anos mais tarde, é proclamado imperador.
Na Florença daquela época, as discórdias internas já eram acesas entre os antigos e ainda potentes representantes da nobreza condal, o ceto mercantil em vigorosa expansão, os artesãos e, por motivos econômicos, as pessoas comuns.
A morte de Buondelmonte dei Buondelmonti, por parte da família dos Amidei, ajudou a exasperar a divisão já existente entre os grupos dirigentes da “societas militum”.
A essa já precária situação interna para Florença, juntou a disputa aberta entre o papado e o império que, na cidade, estava radicalizando a formação de dois partidos: o guelfo e o gibelino, nos quais reinavam também profundos interesses econômicos.
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Dante no exílio
De 1301 a 1311
A condenação atingiu Dante durante sua viagem de volta de Roma e o fez unir-se a muitos outros exilados: guelfos brancos e gibelinos, que estavam se organizando para entrar armados em Florença.
Em 8 de junho de 1302, em San Godenzo, encontramos Dante entre os signatários que, em troca de uma ajuda válida, comprometiam-se a ressarcir os Ubaldini pelos danos sofridos na guerra contra Florença.
Em 1303, para obter aliados em virtude dos expatriados, Dante vai a Forlì, Emília-Romanha, para falar com Scarpetta degli Ordelaffi, e a Verona, com Bartolomeo della Scala.
Em outubro de 1303, morre o papa Bonifácio VIII e o novo pontífice, Bento XI, envia a Florença, em março de 1304, em qualidade de pacificador, o cardeal Niccolò da Prato.
Dante endereça a Niccolò, em nome dos guelfos brancos, uma epístola conciliativa que visa às negociações para a volta dos expatriados à cidade.
Tumba de Dante Alighieri, Ravenna.
A discórida entre guelfos brancos e guelfos pretos
Po intransigência dos guelfos pretos, as esperanças dos expatriados vão por água abaixo e, por conseguinte, recorre-se às armas. Porém, com a infausta jornada da Batalha da Lastra às portas de Florença, em 20 de junho 1304, marcou-se o fim de qualquer possibilidade concreta para o retorno à pátria.
Naqueles dias, Dante, após fortes contrastes de natureza política com os outros exilados, já tinha
Di sua bestialitate il suo processo
farà la prova; sì ch’a te fia bello
averti fatta parte per te stesso.(Paraíso XVII 69)
São poucas as notícias sobre as peregrinações de Dante durante esses anos.
Entre 1304 e 1306, muito provavelmente ele esteve a Bolonha. Nessa cidade, foram iniciadas as suas duas obras densas de doutrina: o Convivio, em vulgar, e o De Vulgari Eloquentia, em latim, obras que mostram um alargamento ulterior de perspectivas literárias, culturais, civis e políticas.
Com essas obras, Dante pretende aumentar a sua fama de estudioso com a finalidade de revogar a sua condenação de exilado: a nostalgia pela pátria distante e a esperança de retorno dão um tom de comoção a ambas as obras, mesmo se Dante, agora, proclama-se, com acentos nobilíssimos, cidadão do mundo.
Os dois tratados permaneceram interrompidos, seja pela expulsão dos exilados florentinos de Bolonha, em 1306, seja pelo seu empenho ao mais vasto desenho da obra poética maior.

Bolonha, onde esteve o poeta.
O paradeiro incerto de Dante
Poucas são as notícias certas sobre as etapas de Dante: em 6 de outubro, ele está em Sarzana, com a intenção de estipular a paz entre Franceschino Malaspina e o bispo de Luni.
Em 1308, provavelmente o poeta estava em Lucca, depois em Casentino, de onde enviava a Martello Malaspina a canção Amor da che convien, com uma epístola declarativa.
Em Casentino, deve ter sabido da eleição ao trono imperial de Henrique VII de Luxemburgo (1308), cujo nome, em Florença, foi transformado em Arrigo.
Dante no exílio
Eis, então, a Epístola V, de 1310, na qual o poeta exalta o propósito de Clemente V de coroar, em Roma, o novo imperador.
Com as duas epístolas políticas sucessivas, em 1311, endereçadas aos florentinos e ao imperador, Dante tem a intenção de acelerar o tempo e remover qualquer obstáculo à vinda de Henrique VII à Itália.
Estátua de Dante, em Verona.
De 1311 à morte de Dante Alighieri
Com a vinda de Henrique VII à Itália, relaciona-se, verossimilmente, o tratado em latim intitulado De Monarchia, no qual se tende a demonstrar a necessidade de um monarca para o bem estar do mundo, mas também a sua independência em relação ao pontífice.
Morto Henrique VII, em Buonconvento, em 24 de agosto de 1313, desaparecem definitivamente as esperanças de Dante para reentrar em pátria e, após uma curta temporada na Toscana, talvez na casa de Uguccione della Faggiuola, em Lucca, por volta de 1316, o poeta volta a Verona, hóspede de Cangrande della Scala que, como vigário imperial, estava realizando o seu plano audaz de impor na Itália setentrional um extenso e potente estado gibelino.
Aos anos 1314-1316, remontam as últimas três epístolas:
- a XI, direcionada aos cardeais italianos reunidos em conclave após a morte de Clemente V (junho de 1314);
- a XII, direcionada a um amigo florentino, na qual renuncia à anistia promulgada a favor dos exilados, mas com condições humilhantes (maio de 1315);
- a XIII, de 1316, o poeta dedica a Cangrande della Scala o cântica do Paraíso, apenas iniciado, e oferece-lhe um ensaio e um comentário junto com um importantíssimo enquadramento geral da Comédia.
Quando deixou Verona, em 1318, Dante transcorre em Ravenna, em serena e total tranquilidade, o último período de sua vida, sendo hóspede de Guido Novello da Polenta.
Em Ravenna, ele termina a sua maior obra: a Divina Comédia, iniciada por volta de 1308 e que representasse, em imagens poéticas, as aventuras mais secretas de sua alma, suas dores e suas esperanças, as odes violentas e tenazes, mas também as certezas de amor enquanto poeta e crente.
Uma breve temporada do poeta em Verona é testemunhada pela Quaestio de Aqua et Terra, disputa escolástica sobre um tema caro à cultura acadêmica (se a água, em alguma parte, possa ser mais alta que a terra), discutida nessa cidade em janeiro de 1320.
Enviado a Veneza como embaixador, por Guido da Polenta, para resolver uma controvérsia com a vizinha potente, no caminho de retorno a Ravenna o poeta teve uma febre malárica.
Dante, que havia terminado há pouco tempo o cântico do Paraíso, morreu em Ravenna, na noite entre 13 e 14 de setembro de 1321, deixando pra Itália e pro mundo a sua Comédia.
Obras de Dante Alighieri
Em Dante, já era amadurecida a convicção de que a ausência de um imperador havia consentido o prevalecer do integralismos pontifício e, portanto, a queda, em Florença, da Parte Branca.
Il Convivio (O Convívio)
Escrito entre 1303 e 1208, do latim convivium, isto é, “banquete” (de sabedoria), é o primeiro das obras de Dante produzido logo após seu afastamento forçado de Florença e é o grande manifesto do fim “civil” que a literatura deve ter no pensamento humano.
A obra consiste num comentário em várias canções doutrinais colocadas no incipit, uma verdadeira e própria enciclopédia dos saberes mais importantes para aqueles que desejam dedicar-se à atividade pública e civil sem haver terminado os estudos regulares.
É, portanto, escrito em vulgar para ser lido por quem não teve a possibilidade de estudar o latim.
De vulgari eloquentia
Contemporâneo ao Convívio, o De vulgari eloquentia é um tratado em língua latina escrito por Dante Alighieri entre 1303 e 1304.
Composto por um primeiro livro inteiro e por 14 capítulos do segundo livro, era destinado inicalmente a compreender quatro livros.
Mesmo afrontando o tema da língua vulgar, foi escrito em latim porque os interlocutores para os quais se direcionava Dante pertenciam à elite cultural da época.
O poeta, forte na tradição da literatura clássica, considerava, sem dúvidas, o latim superior a qualquer vulgar, porém, ao mesmo tempo, ele queria conferir uma maior dignidade à língua vulgar. O latim era, na verdade, usado somente para escrever sobre leis, religião e tratados internacionais, isto é, argumentos da máxima importância.
Divina Comédia
De Monarchia
A obra foi composta em virtude da vinda à Itália do imperador Henrique VII de Luxemburgo, entre 1310 e 1313. Compõe-se de três livros e é o sumo do pensamento político dantesco.
No primeiro livro, Dante afirma a necessidade de haver um império universal e autônomo e reconhece esse império como única forma de governo capaz de garantir unidade e paz.
No segundo, reconhece a legitimidade do direito do império por parte dos romanos.
No terceiro, Dante demonstra que a autoridade do monarca é una vontade divina e, portanto, depende de Deus: não é sujeita à autoridade do pontífice, mas, ao mesmo tempo, o imperador deve mostrar respeito perante o pontífice, vigário de Deus na Terra.
Vita Nova (Vida Nova)
A Vita Nova pode ser considerada o “romance” autobiográfico de Dante, no qual é celebrado o amor por Beatriz, apresentada com todas as características próprias do stilnovismo dantesco.
Conta a vida espiritual e da evolução poética do poeta. É estruturada em quarenta e dois (ou trinta e um) capítulos em prosa relacionados em uma história homogênea, que explica uma série de textos poéticos compostos em tempos deferentes.
A obra consagra o amor por Beatriz e foi composta, provavelmente, entre 1292 e 1293.
Le Rime (As Rimas)
As Rimas são uma coleção na qual foram reunidas e ordenadas, por editores modernos, o complexo da produção lírica dantesca das provas juvenis àquelas de idade madura (as primeiras são datadas por volta de 1284), dividas entre Rimas juvenis e Rimas do exílio para distinguir dois grupos de líricas já distantes pelo tom e os argumentos tratados.
Contato de guia brasileira na Itália
*Fontes: Tradução livre minha dos textos em italiano de Museo Casa di Dante e Dante Alighieri.