A primeira vez que ouvi falar em Sofonisba Anguissola, a minha atenção recaiu logo pro seu nome esdrúxulo e, com uma simples busca no Google, podemos descobrir que Sofonisba é um nome já usado desde a Antiguidade: a cartaginesa de origem nobre, filha do general Asdrúbal Giscão e esposa de Sífax, rei dos massílios, chamava-se justamente Sofonisba.
👩🎨 Sofonisba Anguissola, primeira artista de glória internacional
Já a personagem que trato nesta postagem é Sofonisba Anguissola (Angussola, Anguisciola), italiana nascida em Cremona, região Lombardia, e seu pai, assim como o da cartaginesa citada acima, também era um nobre: Amilcare Anguissola, um amante da arte, diletante em desenho, pertencia a um ramo cremonese da originária família piacentina dos Anguissola.
A mãe de Sofonisba, Bianca Ponzone, também era de uma nobre família e foi a segunda esposa de Amilcare Anguissola. Casaram-se por volta de 1530.
Em base, sobretudo, a essa data, confirmada por alguns documentos, o nascimento de Sofonisba é datado em 1527-1528, porém o professor Carlo Bonetti (1932) cita em seus estudos a data de 1531-1532.
Irmãos de Sofonisba Anguissola
Sofonisba teve um irmão, Asdrubale, e cinco irmãs menores: Elena, Lucia, Minerva, Europa e Anna Maria.
Elena Anguissola frequentou com Sofonisba os ateliês de Bernardino Campi e de Bernardino Gatti, o Sojaro, e, ao entrar depois pro mosteiro de São Vicente, em Mântua, onde vivia em 1585, é representada por Sofonisba em “Retrato de monja” (1551).
Lucia Anguissola também foi pintora e faleceu em 1565.
Em 1568, o historiador Giorgio Vasari recorda dois quadros pintados por Lucia.
De modo dúbio é a atribuição a Lucia do “Retrato de Europa” (sua irmã), guardada na Pinacoteca de Bréscia.
Minerva Anguissola
Minerva Anguissola, a qual Vasari afirma ser “em pintura e em letras… rara” (tradução livre), é hoje nota somente através dos retratos que Sofonisba fez em “Grupo de família” (o pai com Asdrubale e Minerva) e “Retrato de Minerva”.
Sobre Europa Anguissola, casada com Schinchinelli, Giorgio Vasari cita um retrato da mãe de Bianca Ponzone, enviado pra Espanha e hoje desaparecido, enquanto existe, na Paróquia de Vidiceto (província de Cremona), uma sua obra chamada “Vocação de Santo André”, assinada pela própria Europa.
Anna Maria Anguissola, a desenhadora
Anna Maria Anguissola, a irmã caçula de Sofonisba, casou-se com Giacommo Sommi e é lembrada por Vasari “ainda menina”, mas já era uma desenhadora hábil.
Sabe-se que Anna Maria, com quinze anos, realizou uma cópia da “Madonna della Scala”, de Correggio, com o acréscimo de um São João, que pertenceu a uma coleção privada cremonese, mas hoje está desaparecida.
Na Pinacoteca de Cremona, é conservada uma “Sagrada Família com São Francisco”, assinada por Anna Maria Anguissola.
Ateliê de Bernardino Campi
Por volta de 1545 a 1549, Sofonisba frequentou o ateliê de Bernardino Campi, como especifica uma sua carta, de 21 de outubro de 1561, pra esse pintor, ao qual também se dirige Francesco Salviati, de Roma, em 28 de abril de 1554, chamando-o de “mestre da bela pintora cremonese”.
A esse período inicial, que foi determinante pra toda produção sucessiva de Sofonisba, substancialmente ligada ao agraciado e provincial maneirismo campesco, remonta Bernardino Campi, que fez o retrato de Sofonisba, hoje exposto na Pinacoteca de Siena, como provavelmente o “Autorretrato” da pintora, hoje na Galeria dos Ofícios, que ela assinou como “Sophonisba Anguisciola aet. suae anni 20“.
👩🎨 Autorretratos de Sofonisba Anguissola
Em geral, o autorretrato de Sofonisba, guardado na Galeria dos Ofícios, é datado em 1547-48, mas o professor Carlo Bonetti data-o em 1551-52. A pintora também realizou a “Piedade” (hoje na Pinacoteca de Brera, Milão), obra claramente derivada do grupo central da “Piedade”, de Bernardino Campi, também guardado na Pinacoteca de Brera.
Quando seu primeiro mestre partiu pra Cremona, Sofonisba passou pro ateliê de Bernardino Gatti, o Sorajo, do qual transparecem as lembranças do maneirado correggismo, sempre interligados.
Todavia, sob as influências de Bernardino Campi, Sofonisba pinta a sua obra, talvez a mais famosa e, certamente, uma das mais dignas e representativas de sua arte, a assim chamada “Partida de xadrez”, da coleção Radzinsky, em Poznaï, subscrita
“Sophonisba Angussola virgo Amilcaris filia ex vera effigie tres suas sorores et ancillam pinxit.MDLV”.
O papel ativo do pai para a carreira de Sofonisba
Graças, sobretudo, ao interesse ativo de seu pai, Sofonisba conquistou rapidamente uma fama excepcional, tornando-se uma das mais célebres pintoras da sua época.
Em 1556, Amilcare enviou dois autorretratos da filha ao duque de Ferrara, pintados “muitos anos” antes. Em 1606, um desses autorretratos, cedido pelo cardeal Alexandre d’Este a Rodolfo II, é hoje conservado no Kunsthistorisches Museum, em Viena, e pode ser datado por volta de 1554.
Além do já citado pintor Francesco Salviati, também falam de Sofonisba, com admiração, o escritor Annibal Caro que, em 1508, foi visitá-la em Cremona e obteve de seu pai um autorretrato, o qual teve que devolver, com grande amargura, no ano successivo, e Giorgio Vasari, do qual sabemos, dentre várias coisas, que um desenho de Sofonisba, “uma menininha ri de um garoto que chora porque… (um camarão) morde seu dedo” (tradução livre), teve a honra de ser enviado por Tommaso Cavalieri a Cosimo I, juntamente com um desenho de Michelangelo Buonarrotti.
Giorgio Vasari, um de seus admiradores
Sempre Vasari recorda seus “belíssimos” retratos, hoje desaparecidos, infelizmente, do arquidiácono de Piacenza e do cardeal Del Monte, em Roma (esse doado ao papa Júlio II por Sofisbona), e um grupo composto pelo pai da artista com seus irmãos, Asdrubale e Minerva, visto pessoalmente por Vasari em Cremona, próprio na casa dos Anguissola.
Sofonisba também pintou o excelente “Autorretrato à espineta”, hoje no Museu Nacional de Nápoles, assinado e datado em 1559.
Além dessas pinturas, há também o “Retrato de rapaz”, no The Walters Art Museum, em Baltimore, o “Autorretrato Poldi Pezzoli”, no Museu Poldi Pezzoli (Milão), e os três “Retratos”, na Pinacoteca de Cremona.
Seu trabalho na corte espanhola
Em 1559, ano em que pinta uma “Sagrada Família”, hoje na Academia de Carrara, Bérgamo, Sofonisba é convidada por Felipe II, por meio do duque d’Alva e do duque de Sessa (a artista encontrava-se com este último em Milão por um breve período), para ir à corte de Madri.
Em 1560, Sofonisba parte para a Espanha, onde ficou por muito tempo e recebeu honras e reconhecimentos, e realizou numerosos retratos, hoje desaparecidos, de vários membros da família real espanhola.
Dois desses, como recorda Giorgio Vasari, foram enviados, em 1561, ao Papa Pio IV, em Roma, que é a data de um “Autorretrato com címbalo”, da atual coleção Spencer, em Althorp, talvez a única obra que sobrou do período espanhol de Sofonisba.
Estadia em Palermo, Sicília
Em 1571, a artista se casou em Madri com o palermitano Fabrizio Moncada, irmão do vice-rei da Sicília, Francisco II das Duas Sicílias.
Não existem notícias precisas sobre seu retorno à Itália, o que, talvez, tenha ocorrido em 1578, quando, segundo o professor Carlo Bonetti, seu irmão Asdrubale pretendia encontrá-la em Palermo.
De qualquer forma, em 1580, a pintora encontra-se nessa cidade siciliana, já viúva e prestes a voltar à sua cidade-natal, Cremona.
Durante a viagem, Sofonisba conheceu o nobre genovês Orazio Lomellini, com o qual se casou e estabeleceu-se com ele em Gênova, onde moravam, certamente, em 1584, recebendo com grande hospitalidade artistas e literatos famosos.
👩🎨 A arte de Sofonisba ao pintar retratos
Em 1599, a infanta Isabela foi hóspede de Sofonisba quando viajava a Viena para se casar com o arquiduque Alberto.
A esse período remonta, com toda probabilidade, os autorretratos do Nivaagaards Malerisamling, na Dinamarca, da Galeria Borghese e o “Grupo de três meninos”, da coleção Methuen, Corsham Court, Inglaterra.
Todas essas obras confirmam a veia monótona e os modestos limites da pintura de Sofonisba, mas, ao mesmo tempo, também demonstram a sua agradável sensibilidade, geralmente arguta, na sua pintura de retatos.
Últimos anos de vida de Sofonisba Anguissola
Nos últimos anos de vida, Sofonisba voltou a Palermo, onde, em 1623, conheceu Van Dyck, o qual nos deixou um desenho à pena da artista, com anotações que descrevem Sofonisba “com noventa e seis anos”, quase cega, mas com um espírito vivacíssimo.
Sofonisba Anguissola morreu em Palermo, em 1625. Sua tumba está na Igreja de San Giorgio dei Genovesi, na mesma cidade siciliana.
*Fonte: Tradução livre minha do original em italiano de Enciclopedia Treccani.