Em 2012, vi a mostra Lux in arcana: l’Archivio Segreto Vaticano si rivela, nos Museus Capitolinos, em Roma, a qual exibiu vários documentos que, pela primeira vez na história, saíram do Arquivo Secreto do Vaticano (Papa Francisco mudou a sua denominação para Arquivo Apostólico Vaticano, em outubro de 2019, neste Motu proprio).
Já em dezembro de 2018, foi a vez de conhecer pessoalmente o Arquivo Secreto do Vaticano, uma oportunidade oferecida por uma associação cultural que não deixei escapar!
Só é possível entrar no Arquivo Apostólico Vaticano por motivos de pesquisa, e essa visita da qual participei era próprio uma exceção para poucos afortunados.
Por motivos de segurança, durante toda a visita, além da historiadora do Arquivo que nos dava algumas informações históricas, fomos acompanhados por um funcionário que controlava os nossos movimentos: era expressamente proibido tocar algum objeto e nada de fotografias.
Tanto é que fomos obrigados a deixar nossos pertences em uma sala, inclusive os celulares, para evitar, justamente, que alguém fotografasse escondido.
Além do Arquivo, também subimos até a Torre dos Ventos e pudemos apreciar a linda Sala da Meridiana.
Eis, então, meu texto com algumas informações sobre um dos lugares mais “secretos” do mundo.
🗝️ Um dos lugares mais secretos do mundo: breve história do Arquivo Secreto do Vaticano
1611
Papa Paulo V atua o projeto da constituição do Novum Archivum, no Palácio Apostólico, e concentra na Sala Paolina, adjacente ao atual Salão Sistino dos Museus Vaticanos, alguns registros e volumes provenientes da Biblioteca Vaticana, da Câmara Apostólica e do Arquivo de Castelo San’Angelo.
O Archivum Vetus continuará a conservar os documentos mais antigos e preciosos da Santa Sé, dispostos em armários de madeira e ordenados por áreas geográficas.
O papa atribui a Michele Lonigo o cargo de superintendente do novo arquivo, nomeando-o “prefeito das bulas e dos registros da Biblioteca Vaticana”.
31 de janeiro de 1612
Paulo V nomeia Baldassarre Ansidei, já custódio da Biblioteca Apostólica Vaticana, custódio do novo Arquivo. A partir dessa data, começa oficialmente a história do Arquivo Apostólico Vaticano, que, todavia, ainda constitui um tipo de “departamento” da biblioteca papal.
1613-1614
O material documentário recolhido por Paulo V, na Sala Paolina, é colocado definitivamente em três locais do Andar Nobre do atual Arquivo Apostólico Vaticano, situados ao longo da galeria de Pio IV, do Palácio Apostólico, adjacente ao Salão Sistino, nos Museus Vaticanos.
23 de julho de 1630
Urbano VII reconhece a autonomia do Arquivo Apostólico Vaticano perante a Biblioteca Apostólica Vaticana.


1646
Em um índice geral, redigido pelo prefeito Costanzo Centofiorni, aparece pela primeira vez a denominação “Arquivo Secreto Vaticano” que, a partir de então, constituirá o título oficial do arquivo fundado por Paulo V.
O adjetivo “secreto”, que qualifica o arquivo nesse período, deriva do vocábulo latino “secretum”, que significa “privado”.
O Arquivo Secreto Vaticano é, na verdade, de propriedade do papa.
se·cre·to |é|
(latim secretus, -a, -um, separado, afastado, isolado, à parte, confidencial)Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.
1660
Alexandre VII assigna ao Arquivo Secreto Vaticano o andar superior às três Salas Paolinas, destinando-o à conservação do Arquivo da Secretaria de Estado.
1798
O Arquivo de Castel Sant’Angelo é transportado para o Arquivo Secreto Vaticano através do Passetto di Borgo.
1810
Napoleão Bonaparte ordena a confisca dos arquivos papais, os quais são transportados pra Paris a partir do mês de fevereiro.
Cerca de 3239 caixas ou cestos de documentos provenientes do Arquivo Secreto Vaticano e de outros arquivos da Cúria Romana deixam Roma a bordo de grandes carros.
1814
Iniciam os procedimentos para a devolução à Santa Sé dos arquivos papais jacentes no Palácio Soubise, em Paris.
1815
Fevereiro-junho: Após o retorno momentâneo de Napoleão ao poder – os chamados Cem Dias – interrompem-se os procedimentos para a restituição dos arquivos à Santa Sé.
Setembro-outubro: Retomam as operações de transferência dos arquivos papais de Paris pra Roma.
Dezembro: Chegada a Roma do primeiro núcleo de documentação proveniente de Paris.
1816-1817
Vários comboios transportam pra Roma o restante da documentação subtraída à Santa Sé por Napoleão.
As despesas ingentes de transporte induzem os comissários papais a destruir centenas de documentos considerados “inúteis” e a vender outros milhares como simples papéis pra maceração.
Durante o transporte, o patrimônio arquivístico sofre perdas enormes. Verificam-se erros na entrega de algumas cartas e documentos, que terminam em arquivos diferentes daqueles originais.
1881
Leão XIII abre as portas do Arquivo Secreto Vaticano aos estudiosos de qualquer país e religião.
1º de maio de 1884
Aprovação do novo Regulamento do Arquivo Secreto Vaticano, que estabelece as competências do pessoal diretivo e subalterno, regulando os procedimentos para a admissão dos estudiosos.
18 de outubro de 1980
João Paulo II inaugura os novos depósitos (bunker), cavados no subterrâneo do Pátio da Pinha, nos Museus Vaticanos: um grande espaço de dois andares e com um volume de 31.000 metros cúbicos, dispostos em 85 km lineares de estantes.
22 de outubro de 2019
Papa Francisco substitui o título Arquivo Secreto Vaticano com a antiga denominação Arquivo Apostólico Vaticano.
📜 Alguns dos documentos guardados no Arquivo Apostólico do Vaticano
O Arquivo Apostólico Vaticano dispõe de quatro salas de estudo para os pesquisadores, dentre elas: a Sala Índices “Leão XIII”, Sala de Consultação de Documentos “Pio XI” e a Sala de Consultações de Impressos “Sisto V”.
O patrimônio documentário conservado nos seus vastos depósitos cobre um arco cronológico de cerca de doze séculos (VIII-XX século). Custodia os arquivos históricos de diversas instituições públicas e privadas.
Bunker e depósitos: Duas salas climatizadas com temperatura e umidade relativa constante são reservadas aos pergaminhos, estendidos e custodiados em invólucros de papel conservativo, colocados em grandes caixas deslizantes sobre trilhos.
Eis alguns dos documentos que pertencem ao Arquivo Apostólico Vaticano:
- Os 81 pergaminhos com sigilo de ouro são, sem dúvidas, o mais notável e precioso núcleo documentário do Arquivo.
- O Privilegium Othonis (Otão I), de 962, escrito em ouro sobre pergaminho purpúreo;
- O Liber Diurnus Romanorum Pontificum, o mais antigo formulário da Chancelaria pontifícia, que remonta ao VIII-IX século.
- A bula Inter cætera, do papa Alexandre VI, sobre a descoberta do Novo Mundo;
- O famoso volume do processo inquisitorial contra Galileu Galilei;
- O édito de Worms, de Carlos V;
- Um aviso de pagamento autógrafo de Gian Lorenzo Bernini;
- Uma breve de Clemente XIV pelo conferimento do Speron d’Oro a Mozart;
- Algumas cartas de ilustres correspondentes: a carta em seda da imperatriz Helena da China a papa Inocêncio X;
- A carta de Abraham Lincoln a Pio IX;
- Carta do zar Aleksej I Romanov a Clemente X;
- Carta de Michelangelo ao bispo de Cesena sobre a situação das obras da Fábrica de São Pedro;
- Carta dos membros do parlamento inglês a Clemente VII sobre a causa matrimonial de Henrique VIII;
- O documento da falsa doação de Constantino;
- O Dictatus Papae, de Gregório VII;
- Bula Unam sanctam, de Bonifácio VIII;
- A rendição do exército papal, em 1870;
- Tratado de Latrão, em 1929.
- Abdicação ao trono de Cristina da Suécia;
- Última carta de Maria Stuart ao papa Sisto V;
- Bilhete de Maria Antonieta da França escrito da prisão;
- O processo contra os Cavaleiros Templários da França, escrito sobre um rolo de pergaminho longo 60 metros;
- A excomunhão de Martinho Lutero;
- Sumário do processo de Giordano Bruno.
Torre dos Ventos e Sala da Meridiana, Vaticano
Torre dos Ventos ou Torre Gregoriana
Construída entre 1578 e 1580, pelo bolonhês Ottaviano Mascherino, arquiteto do Palácio Apostólico, a Torre dos Ventos é um dos edifícios mais célebres do Vaticano e constituiu, em origem, um observatório astronômico utilizado nos estudos para a reforma do calendário, promovida por Gregório XIII.
Sala da Meridiana
A Sala da Meridiana foi construída em sua origem como uma galeria aberta destinada às observações astronômicas. Em 1627, por iniciativa de Urbano VIII, as arcadas da galeria foram fechadas e afrescadas com desenhos grotescos de Simone Lagi e outros pintores.
Alexandre VII fez desta sala a primeira residência da rainha Cristina da Suécia logo após a sua conversão ao Catolicismo.
A Sala tem este nome devido à meridiana em mármore encastrada no pavimento, realizada, junto com o anemoscópio fixado no teto, por Ignazio Danti, cosmógrafo pontifício e membro da comissão para a reforma do calendário, em 1580.
Em 1891, a Torre dos Ventos tornou-se sede da Specola Vaticana (observatório astronômico), fundada próprio naquele ano por Leão XIII.
Se hoje as nossas vidas são reguladas pelo calendário gregoriano, é próprio graças às observações astronômicas feitas na Torre dos Ventos 🔭
Requisitos para consultar o acervo do Arquivo Apostólico Vaticano
O Arquivo Apostólico Vaticano é aberto a pesquisadores de todo o mundo, de qualquer religião, porém há certos requisitos que o pesquisador deve preencher, como, para citar um: apresentar um certificado do último título acadêmico obtido (para os laicos: graduação ou diploma universitário equivalente, doutorado, bolsa de doutorado; para os eclesiásticos: licença ou doutorado).
Para todas as informações completas, consulte o site oficial do Archivio Apostolico Vaticano
*Fonte: Tradução livre minha do original em italiano de Archivio Apostolico Vaticano.